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Quando o meu primeiro filho entrou para a creche e começou a fazer as primeiras fichas estranhei. Estranhei que uma criança com 3 ou 4 anos tivesse mais ou menos a mesma vida que uma criança de 8 ou 9. Achava, ingenuamente, que na creche eles apenas brincavam e aprendiam o que quer que fosse a brincar, a rasgar folhas, a pintar com os dedos, a fazer legos, a descobrir o que lhes apetecesse e tentar estragar tudo o que lhe aparecesse à frente. Pensava eu que no jardim de infância, tal como o nome indica, ele vai poder ser infantil à vontade e desarrumar, pular, abusar da paciência das educadoras e chegar a casa estafado. Não pensei que começasse cedo a fazer "trabalhos". Mas é mesmo assim, diziam-me os outros pais. Eles começam a cedo a preparar-se para a escola e já têm de entrar para o primeiro ano com imensas competências ou ficam para trás. Para o bem deles, quanto mais cedo começarem, melhor será o seu futuro. Depois, descobri esta creche e os meus filhos agradecem-me todos os dias por não me ter rendido a esta teoria pedagógica. Não o fiz por opção racional, foi mera intuição. Instintivamente optei por dizer não às fichas, aos bancos alinhados e à ASAE pedagógica dos jardins de infância. Os meus filhos acabaram a fazer fichas na escola onde também aprenderam a fazer contas, gramática, etc.
É por ter tido esta experiência empirica que passei a considerar a partir de hoje meu novo herói este senhor que o Expresso fez o favor de entrevistar.
Para quem não tem paciência para abrir o link, aqui vai um cheirinho:
"Muitas das modas supostamente baseadas na ciência do cérebro, tais como o bebé Einstein e o bebé Mozart, ficaram desacreditadas desde que eu escrevi 'O Mito dos Primeiros Três Anos' em 1999. Nos Estados Unidos, uma questão política importante tem que ver com a necessidade universal do jardim infantil a partir dos quatro anos. Os defensores desta política costumam referir a neurociência e as capacidades únicas de aprendizagem que teria o cérebro infantil. Na minha opinião, não há descobertas da neurociência que justifiquem esta posição. Tudo o que sabemos, com base na evidência dos comportamentos, é que crianças oriundas de meios com desvantagens culturais podem beneficiar de uma introdução à educação formal mais cedo. Oferecer ajuda especial a essas crianças é muito diferente de oferecer uma intervenção prematura ou programas educacionais a todas as crianças. (...)"
"(...) Os defensores da intervenção na primeira adolescência desenvolveram narrativas muito vagamente baseadas na neurociência para a justificar.(...)"
"Do que podemos ter certeza absoluta, nesta área?
Podemos ter a certeza de que os pais devem garantir que os olhos e os ouvidos de uma criança funcionam normalmente. À parte isso, como um colega neurocientista me disse uma vez, 'baseado no que sabemos da neurociência, os pais não devem fechar as suas crianças em armários escuros, bater-lhes na cabeça com frigideiras ou deixá-los passar fome'. Sabemos que a privação extrema é má para as crianças. Mas não sabemos, e provavelmente não é o caso, que uma estimulação ou enriquecimento adicional e intenso tem efeitos benéficos. E a crença nos efeitos irreversíveis da primeira experiência educacional impõe um fardo injustificado aos pais. Além disso, concentrar os recursos todos nessas fases resulta numa diminuição da educação contínua e de adultos.
"A chamada teoria do apego diz que os primeiros dois anos e meio de vida são cruciais para a criança estabelecer uma relação com o seu cuidador e essa relação é a base para o desenvolvimento social e emocional. Se for perturbada, pode levar a problemas mentais, psiquiátricos, problemas criminais em idades posteriores, etc. O professor Michael Rutter estudou órfãos romenos, crianças que cresceram em ambientes terríveis, sujeitas a privações extremas. O mais notável é quão resilientes elas mostram ser. Depois de adotadas, é preciso examinar com grande profundidade, utilizando medidas muito precisas de bem-estar psiquiátrico, para descobrir diferenças significativas entre elas e outras crianças adotadas no Reino Unido.(...)"
O que se quer dizer com isto é: relaxem e deixem as crianças serem crianças, o jardim de infância deve ser isso mesmo: um jardim.